Poetas: Nelinho do Repente e Chico Balbino em plena versificação do improviso
Uma visão que aos poucos vem ficando cada vez mais rara no nosso dia a dia interiorano...
Com quase nenhum espaço institucional voltado para a arte e a cultura tradicional naqueles anos difíceis, eram necessárias algumas saídas alternativas. E os artistas ao seu modo as fizeram com grandeza e maestria: as feiras-livres como palco de suas apresentações até como uma forma de agregar valor as mercadorias de alguns vendeiros-viajantes; verdadeiros maqueteiros do nosso passado. Com a total inexistência de canais públicos, os artistas dos grotões do mundo sertanejo faziam uso da sua verve inventiva e criativa para ganhar alguns trocados fazendo suas apresentações para grandes platéias no meio das feiras em cidadezinhas perdidas pelo oco do mundo. Por sinal, um ambiente dos mais populares e multifacetados que tinham a cara e o jeito da cultura e da arte popularizadas pelos sertões.
De modo que as feiras-livres do nosso interior, sobretudo, se transformavam de vez não apenas num espaço de trocas mercantis, bugigangas e outros produtos do 'celeiro' sertanejo, mas principalmente possibilitando um ambiente dinâmico à ludicidade ao lazer e ao entretenimento barato para uma gente que no mais das vezes, não tinha acesso sequer ao rádio, ao circo, ao teatro, ao mamulengo, enfim ao mínimo das ferramentas que existiam numa época em que fazer cultura e arte era coisa para quem não tinha mais o que fazer na vida.
Portanto, a presença de repentistas populares das feiras de Aurora, constituir(ainda hoje) um ato de pura resistência a este fantasma da pós-modernidade – a cultura dos enlatados - que muito deseduca, desinforma, descaracteriza e afasta o povo das suas raízes socioculturais, bem como da sua necessária autenticidade. Ou seja, a cultura alienígena imposta a todos pela mídia, vem quebrando de forma sistemática a identidade de toda uma geração com o seu passado e as manifestações da nossa cultura popular.
Outro dia em plena tarde de sábado, final da feira-livre deparei-me com uma rara surpresa: uma roda de pessoas no meio da feira a assistirem naquele calorão, mesmo embaixo das poucas árvores que ainda restam no centro comercial, uma dupla de violeiros – Nelinho do repente(da Ingazeiras) e Chico Balbino(Patos) com seus belos motes e improvisos ao sabor do que pedia os fregueses espectadores. Os dosi repentistas populares faziam por assim dizer, a única alegria que se percebia no pouco que ainda existe da feira-livre de Aurora. Um momento em que todas as reminiscências do nosso passado povoavam num turbilhão de recordações a nossa cabeça plena de esquecimento e ilusões. Por isso precisamos incentivar de todas as formas possíveis estes artistas do povo, posto que estão além do tempo presente: do passado e do futuro. São todos eles que constituem a ponte frágil que ainda nos ligam ao passado das nossas verdadeiras manifestações da cultura popular.
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