Thursday, December 8, 2011

Jornalista lança em Fortaleza livro sobre mártir Francisca 'a santa popular de AURORA'

Santificada seja Francisca

Editor do Caderno 3( do Diário do Noirdeste), o jornalista Dellano Rios lança hoje o livro "O povo fez sua santa", sobre Mártir Francisca de Aurora. O lançamento integra a programação da X Semana Paulo Freire, que começa hoje no Museu do Ceará


O inquérito policial de 106 páginas é incisivo ao declarar Francisco Ferreira Barnabé, o Chico Belo, culpado pelo bárbaro assassinato da adolescente de 16 anos Francisca Augusta da Silva, no dia 9 de fevereiro de 1958. O documento inclui um auto de prisão em flagrante do acusado, registrado pelas mãos do escrivão José Dácio Leite, em que Chico Belo confessa as 11 facadas deferidas contra a ex-noiva, que tombara morta à sombra de um pé de pereiro, no bairro São Benedito, município de Aurora, no sertão do Cariri cearense.

O documento é o primeiro de poucos registros escritos de um crime que, apesar da crueldade, estaria talvez esquecido entre os tantos casos de violência praticados cotidianamente contra mulheres. O fato, no entanto, extrapolou o terreno do judiciário e das crônicas policiais, entrando para o repertório sagrado do imaginário, em histórias contadas boca a boca e dando origem ao culto religioso de uma figura que aos poucos é redimensionada, elevada à condição de mártir, e tem sua imagem santificada no ventre do catolicismo popular.

As releituras e transformações dos personagens e tramas deste crime, difusas entre os registros escritos e orais, oficiais e não, são a base para a investigação sociológica que o jornalista e editor do Caderno 3, Dellano Rios, publica, hoje, em livro titulado "O povo fez a sua santa". Resultado da dissertação do mestrado em sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), defendido em 2008, a obra foi contemplada pelo Prêmio Literário para Autores Cearenses, da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult), na categoria ensaio cultural (Prêmio Guilherme Studart).

O lançamento será às 18 horas, no Museu do Ceará, e faz parte da programação da X Semana Paulo Freire - Olhares Multidisciplinares, realizada no museu entre os dias 7 e 9 de dezembro. Antes do lançamento, às 16h30, o autor ministra a palestra "Mártir Francisca de Aurora: santidade popular, memória e narrativa". Na sequência, será exibido um documentário de curta-metragem de Francisco Sousa sobre a santa.

Pesquisa

"O primeiro grande desafio quando se trabalha no campo religioso é que você fica tentado a dar explicações para os mistérios. É difícil saber até onde você vai. Quando falava da pesquisa, pessoas perguntavam, ´e aí, ela é santa?", conta Dellano, desdobrando o minucioso processo de imersão e descoberta das nuances da religiosidade popular.

Ele destaca um episódio vivido em Aurora durante a pesquisa de campo quando, após entrevistar a irmã de Francisca, um mototaxista lhe comentou sobre as narrativas colhidas, "é isso que temos, as histórias. Porque, o que aconteceu mesmo, foi só lá na hora". "Isso (a fala do mototaxista) me marcou muito, porque percebi qual seria o meu foco", destaca o autor.

O primeiro capítulo é dedicado aos registros escritos da história: os autos do processo policial e um pequeno livro de título "Paixão e Sangue de Mártir Francisca", publicado em 2001 pela jornalista Rozanne Quezado, que tenta remontar a história da moça. "Esse documento é um marco na história da Mártir, porque todo mundo leu. Ela partiu das narrativas para escrever. E o livro vem influenciando as narrativas", ilustra. Ele destaca a importância do registro de Rozanne, que evidencia a dinâmica entre a escrita e oralidade no processo de construção da divindade, ponto chave do trabalho.

Dellano Rios explica que o livro da jornalista descartou histórias divergentes, passadas oralmente, dando uma versão que, amparada pela autoridade conferida à escrita, as pessoas passaram a utilizar para "aprender a contar a historia".

Sagrado

Às histórias narradas por devotos e contemporâneos de Francisca, ao que é dito e o que é omitido, que ele dedica o segundo capítulo. As divergências entre versões e os elementos que são agregados pela boca de um e de outro elucidam o processo de beatificação da jovem.

"Os devotos passam a recontar a história e buscar marcas dessa santidade. É como se você estivesse editando essa figura", compara. A partir dos relatos, Francisca passa a ter os valores da comunidade, as virtudes e práticas cristãs realçadas em detrimento de outros. "Na cena de morte, ela voltava para casa com dois irmãos que eram adolescentes. Hoje, contam que estava acompanhada de crianças, reforçando a inocência dela na hora da morte", ilustra.

Estes e outros recursos são utilizados para reforçar o sentimento de compaixão que a história da mártir causa. Para Dellano, é daí que vem a santidade. As pessoas se identificam e se compadecem da dor sofrida por Francisca. O caso de Aurora dá pistas sobre um processo de "canonização espontânea" - termo cunhado pelo suíço Paul Zumthor e utilizado pelo autor - que é comum em diversas cidades Brasil afora, a exemplo do Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, e que historicamente faz parte do processo de reconhecimento oficial da Igreja. "Esse é o grau zero de um santo", define.

O trabalho acadêmico que deu origem ao livro teve orientação do antropólogo Ismael Pordeus Jr e do pesquisador e escritor Gilmar de Carvalho, que também assina o prefácio do livro. "É um trabalho que se lê de uma vez só, de tão agradável e de tão bem urdido", destaca Gilmar no texto de abertura.

Semana

O lançamento do livro faz parte da programação do primeiro dia da Semana Paulo Freire, no Museu do Ceará, que inclui atividades pela manhã e tarde até sexta-feira. Entre os destaques estão a mesa redonda que discute a atualidade das teorias de Paulo Freire, amanhã, às 14 horas.

Na sexta-feira, serão realizadas atividades voltadas para a xilogravura, com oficina ministrada pelo artista João Pedro de Juazeiro, a partir das 9 horas. Às 16h30, Gilmar de Carvalho e Martine Kunz participam da mesa redonda "Literatura de cordel e xilogravura" e, em seguida, às 18 horas, será aberta a exposição "Memórias na madeira: xilogravuras cearenses", com lançamento das segundas edições dos livros "Lira Popular: o cordel do Juazeiro", "Patativa do Assaré: pássaro liberto","Xilogravura: doze escritos na madeira", de Gilmar de Carvalho; e "Cordel: a voz do verso"de Martine Kunz.
..................SERVIÇOS:
Sociologia
O povo fez sua santa
Dellano Rios - Expressão gráfica 2011
144 páginas - R$ 20
Lançamento - Hoje, às 18 horas, no Museu do Ceará (Rua São Paulo, 51 - Centro). Contato: (85) 3101.2606

FÁBIO MARQUES
REPÓRTER

Fonte:http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1079895
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