A Marcha de Lampião em AURORA – Por José Cícero
- Massilon se separa do Bando de Lampião no sítio Japão.
- O assassinato do guia pelo cangaceiro Massilon na Catingueira.
Tendo saído da fazendas Ipueiras às pressas, após o cerco do dia 7 , Lampião atravessa o Salgado e chega com seu bando ao sítio Jatobá de onde leva três pessoas de uma mesma família como guias
Quando da passagem de Lampião com seu bando pelo sítio Jatobá no município de Aurora no dia 8 de julho de 1927, logo após o histórico fogo da Ipueiras, três pessoas de uma mesma família foram 'pegas', para servir de guias. Um rapazola leiteiro, um sitiante e um vaqueiro. Seus nomes: Zé Vicente, Zé Alves e Antonio Arara, respectivamente. Todos trabalhadores do eito, residentes no sítio Jatobá dos Araras.
Tudo estava calmo naquele mundo ermo, cercado de mato e morros. Havia rumores de que pras bandas da rua a umas três léguas dali, soldados do governo estavam a um passo de dá cabo de Lampião. A estação era um vaivém dos seiscentos diabos. Coisa de gente grande que era melhor nem se falar.. .
Mas ninguém da ribeira do Jatobá imaginava que os cangaceiros que estavam do outro lado do rio Salgado e da própria vila, pudessem de fato passar sequer por perto daquele lugar distante. Até os boatos dando conta de Lampião e das volantes chegavam aos pouco e distorcidos por aquele fim de mundo. Até que numa certa manhã a velha calmaria foi quebrada como que numa maldição.. O improvável aconteceu. Quando o leiteiro do sítio( quase uma criança) se esbarrou de súbito com um bando de cangaceiros, quando este atravessava o riacho (hoje existe uma barragem). Sem tempo sequer para sentir medo, o garoto foi interrogado pelos facínoras:
- pra onde você  leva este leite menino?  - Perguntou um dos bandoleiros.
– Vou entregar  lá na rua meu senhor.  - Respondeu o jovem  leiteiro um tanto  trêmulo.
– Acho que hoje, aqueles lá não vão tomar leite não. Né mesmo cambada!... - emendou o bandido.
Sem demora o bando logo se apoderou do balde. O menino estupefato, ficou apenas  observando  aquela cena em silêncio. A princípio, não entendia bem o que estava de  fato acontecendo. Quase todo o líquido foi bebido pela cabroeira. O  restou foi derramado ali mesmo, na margem do riacho.  Lampião, o chefe do grupo,  neste  momento estava um pouco mais afastado, como que  averiguando melhor  aquele ambiente que para todos eles, era por demais desconhecido.
E os cangaceiros após beberem e derramarem todo o leite, ainda 'mangavam' do menino brejeiro:
 – Deixa a rua para outro dia menino. Você vai agora é com a gente pra ensinar o caminho. Além do mais, na  rua você vai dar é com a língua nos dentes e nos entregar aos macacos.  - Disse  por fim, o tal cangaceiro. 
Riacho do Jatobá  onde ouve o 1º encontro do bando de Lampião com o jovem leiteiro Zé Vicente Arara
1- Local onde  aconteceu o incêndio da Ipueiras com o serrote dos Cantins ao fundo. 2 -  Local onde Lampião descansou na antiga residência do guia Davi Silva na  Malhada Vermelha. 3- JC com o Sr. Moreirinha que em 1927 testemunhou  quando Lampião passou pela M. Funda. 4- Sr. Chico Ferreirão com uma  relíquia: A janela da sua antiga residência alvejada à bala por um tiro  dado pelo grupo de Massilon.
Lampião  naquele momento já estava junto do grupo. Mas continuava pensativo.  Algo o preocupa além da conta. O grupo agia como se o velho chefe  estivesse desligado do mundo. Quem sabe em descanso das ordens e das  decisões costumeiras. Mas nesses instantes de pressentimentos o capitão  costumava ficar irascível. E eles sabiam disso. Por isso é melhor não  incomodá-lo com nenhuma asneira ou aborrecimentos indesejáveis.
Havia  um verdadeiro burburinho entre os bandoleiros. Mas, até então, ninguém  sabia do que de fato se tratava. Muito menos os pobres roceiros que ali  já  se sentiam reféns dos cangaceiros .
Seguindo o menino a cabroeira logo alcançou a casa do sitiante: o Sr. Zé Alves-  tio do leiteiro.  O cumprimento foi lacônico e seco.   - Oh de casa!
-  Aquilo é o bando de Lampião, José! – Alertou Dona Raimunda, a esposa, quase num muxoxo.
 –  Deixa de eguagem mulher. Aqueles por essas horas já devem é tá presos  nas Ipueiras do coronel. - respondeu o chefe da casa. Nem sabia ele, que  seria a grande vítima de uma desgraça...
Subitamente, por trás da pequena casa, alguns cangaceiros  começaram a vasculhar o pequeno sótão já no interior da pobre residência. Estavam como fome. Queriam queijo, farinha e rapadura.  Não encontraram o que desejavam.  Mas não saíram de mãos vazias. Levaram algumas “cabaças” para transportar água.  Pois as deles ficaram para trás com a saída às pressas de Ipueiras  durante o cerco do dia 7.
O dono da casa foi convidado a segui-los, juntamente com um cunhado que se encontrava(como que escondido)  na cozinha . Seu nome  era Antonio Arara cunhado do dono da casa(Zé Alves). Dona Raimunda  ainda pediu  que não os  levaram. Dizendo ter filhos pequenos pra criar. Mas  não teve jeito. O bando seguiu na direção do sítio Japão  meia légua mais adiante. Iam todos a pé. Seguiam no sentido do  poente pelo caminho de São Francisco (hoje Quitaiús). Depois derivaram para o sul.
Quando finalmente os emissários retornaram, Virgulino pareceu mais calmo. O  episódio relacionado a traição da Ipueiras não saíra da sua cabeça. Não  trouxeram comida. Logo, Virgulino Solicitou que os guias  experimentassem primeiro a tal bebida.  Só  após vários goles dos dois homens, foi que autorizou que a sua cambada sorvessem a aguardente.
- Um presente de uma autoridade, tem sempre um sabor  especial. Mas a gente tem que ter cuidado – disse ele. Em seguida completou:  - Veja só,  a munição é das boas, diferente da que comprei  caro,  aquele   coronel traidor fio de uma égua. Prosseguiram.
Durante o trajeto, o cangaceiro Massilon Leite se agastou com o guia Zé Alves quando este o dissera que tinha o que fazer em casa. Tomou a indagação como uma piada. Lampião não gostou da rispidez de Massilon para com o guia em tom de ameaça por uma coisa tão trivial. De modo que o repreendeu fortemente na frente de todos.
– Respeite o homem Massilon!  - disse o rei do cangaço:  - O que ele está fazendo por nós é um grande favor.  - O cangaceiro, emudeceu. Trancou-se por dentro em seu orgulho.  Achou aquilo uma grande desfeita. Tudo culpa daquele desconhecido. Era um sujeito frio e vingativo.  Os exemplos eram fartos neste expediente.  E assim que o bando  chegou  na ladeira do sítio Japão,  Massilon fez alto;  dizendo à Lampião que a partir daquele local  seguiria numa nova direção como o seu próprio grupo. Faria igualmente os Marcelinos, dias antes,  ainda no riacho do sangue.  O chefe aquiesceu.
Despediu-se de Virgulino, dizendo apenas: -  até outro dia, capitão.  – E Lampião com  a mão estendida no ar, desejou-lhe boa sorte. E ainda aconselhou:   – Tome cuidado,  as coisas não estão boas pra ninguém. E não abuse da sorte. - disse o capitão.
O gesto de adeus foi imitado por todo o resto do bando. Apenas cinco cangaceiros acompanharam Massilon. Em seguida, ele próprio apontou para Zé Alves o sitiante do Jatobá, dizendo: - Quero este aqui como o meu guia. – E assim foi feito.
Logo nos primeiros passos no sentido Sul, um dos cabras de Lampião(talvez Sabino), afirmou em relação ao guia: - Aquele não voltará mais vivo.
Um pouco  mais à frente, antes mesmo de chegarem ao sítio Vazantes, Lampião agradeceu  aos dois guias que ficaram com ele. Assaz amistoso e educado, pagou-lhes com algum dinheiro pelo serviço.   
– Meus amigos, não digam aos meus inimigos por onde eu fui.  
- Pode crer meu capitão.  - E assim os dois moradores do Jatobá voltaram  pra  casa. Estavam aliviados e até alegres, afinal de contas, após um dia e  uma noite de andança pela caatinga guiando cangaceiros, estavam sãos e  salvos. 
Mas depois  pensaram com preocupação:
- E  Zé Alves, como estará ele? Será que já retornou primeiro que nós?
- Deus haverá de ter guiado ele nos rumos de casa.
- Quem meu padim pade Ciço te ousa meu tio.
Estavam  ansiosos para  chegar ao Jatobá  e contar a aventura. E, principalmente saber notícias o quanto antes do chefe da casa.   E  assim, finalmente, chegaram, um tanto exaustos, no lusco-fusco do dia.  Péssima notícia os aguardavam. Zé Alves não estava lá. Todos ficaram  preocupados. As mulheres chorosas começaram a rezar.
Mas, quem sabe,(disseram) ele  tivesse ido mais longe?  Mas,  haveria de voltar  tranqüilo como nós. Esse pensamento vez por outra,  servia-lhes de consolo...Mas não por tanto tempo.
Massilon  seguira inicialmente para o Sul e depois para as fímbrias do nascente   como que quisesse dá a volta para retornar à Paraiba. Agora sem  Lampião, ficara ainda mais cruel e perigoso. Desconfiava até do vento  assobiando sobre a copa das matas. Boatos davam conta de que as volantes do major Moisés  agora ajudada pela  jagunçada do coronel Izaías Arruda, estavariam espalhadas por toda a Aurora. Os macacos não lhes dariam mais trégua.
Esses pensamentos o atormentavam. Tinha,  vez por outra, verdadeiro aceso de raiva.  Era um bicho em forma de gente. Os que iam com ele, também  não ficariam por baixo. A morte estava expressa na 'bila' dos olhos de cada um deles. 
Até que chegando no lugar de nome Catingueira a cerca de três léguas(mais ou menos) de onde deixaram Lampião;  Massilon ouviu  do guia que a partir daquele ponto, não conhecia mais nada. Podiam se perder.
O cangaceiro com a cara  amarrada cheio de ódio,  apenas o respondeu com ironia:
- Você não vai né,   mas porém  também não volta... - Os outros que estavam ao seu lado, apenas riram como quem já soubessem como iria terminar aquela história.
Sem  mais um palavra, o perverso Massilon sacou a arma e à queima roupa,  assassinou de maneira fria e covarde  Zé Alves com um balaço na cabeça. O  corpo do guia foi jogado numa grota ao lado(foto). Uma perversidade sem  tamanho.  
Seguiu em frente  com os seus, como se nada tivesse acontecido. Tinha sede de sangue.  Segundo dizem, um lavrador que tirava lenha na mata assim que avistara  o  bando do alto do serrote, saiu na frente e avisou aos que moravam no  caminho. Todos deixaram suas casas. Algumas delas foram alvejadas... 
Quatro dias depois, um vaqueiro da região que procurava uma vaca desgarrada percebeu sobre a grota um enorme e estranho bando de urubus. Não era o animal que procurava, e sim o cadáver do pobre agricultor do Jatobá sendo devorado pelos abutres dos sertões. Era o corpo do guia vítima de Massilon. A família ficou sabendo e, só reconheceu o corpo devido o cinturão que ele usava.
Depois daquele bárbaro assassinato ocorrido no sítio Catingueira no município de Aurora não se teve mais nenhuma notícia acerca do itinerário do cangaceiro Massilon Leite com o seu grupo de facínoras.
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José Cícero
Secretário de Cultura
Pesquisador do cangaço
Aurora-CE.
(*) Fragmentos do livro: ‘Lampião em AURORA – Antes e Depois de Mossoró’ – de: José Cícero(Inédito - 2011).
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WWW.prosaeversojc.blogspot.com




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