Monday, January 30, 2012

Penitentes de AURORA – Um exemplo de resistência contra a descrença da modernidade - Por José Cícero*

Imagens dos Penitentes aurorenses no momento do ritual



Outras imagens dos Penitentes da ordem Santa Cruz de Aurora-CE

Na noite da última sexta-feira(27), tive mais uma vez o indescritível prazer de assistir in loco a tradicional “reza penitencial” executada pelo, antes hermético, grupo de Penitentes de Aurora atualmente dirigido pelo decurião – o Sr. Geraldo Caboclo do sítio Salgadinho. Desta feita, o “alertai” ocorreu pertinho de casa, isto é, na residência do Sr. José Serafim(Seu Zé do Gás e dona Maria) no bairro Araçá.
Tarde da noite os penitentes participaram de um antigo ritual com o qual no passado, costumavam assinalar a passagem do aniversário natalício dos sertanejos ante uma série de cânticos, oblações, benditos, litanias, orações e ladainhas. Coisas que no seu conjunto mais geral, as pessoas do interior denominavam simplesmente de “rezas e orações dos penitentes para os santos” com vistas ao “benzer” da residência no sentido de trazer melhor sorte para os donos da casa.
Anos atrás, comecei a acompanhá-los pela 1ª vez em algumas das suas ‘celebrações, andaças e alertais’ pelas noites adentro dos nossos sertões, tanto na periferia da cidade, quanto na zona rural. A primeira, para uma matéria que produzir e publiquei no caderno regional do renomado jornal cearense Diário do Nordeste a pedido da então jornalista responsável pelas páginas do interior - Valéria Feitosa. A tal matéria ocupou duas páginas do DN em edição veiculada exatamente na sexta-feira da paixão em 2008. Pouco depois com vistas ao lançamento da ‘Revista Aurora’, ao lado do professor Luiz Domingos que por sinal, também compõe o referido grupo. Noutra ocasião, em companhia do fotógrafo paraense Guy Veloso que esteve em Aurora, cuja imagens servem ainda hoje para uma exposição itinerante que o mesmo realiza na Europa e ao redor do mundo.
O Grupo de AURORA:
Os membros dos grupos de Penitentes de Aurora, fazem parte da chamada Ordem Santa Cruz – como uma suposta forania do que eles próprios chamam de igreja rural laica e primitiva do município. Algo que remota dos idos do padre Ibiapina, Conselheiro e padre Cícero. O decurião do grupo em geral segue na frente postando nas mãos o sacro Cruzeiro de madeira e puxando a primeira voz do coro.
Vê-los cantar com os rostos cobertos em seus estranhos hábitos brancos e como se abrissem em nossa frente um canal de contato com o passado e uma escada para o mundo espiritual. Um contraponto em que se coloca em diapasão, o sagrado e o profana num desafio quase mortal. É em suma, uma tradição religiosa e primitiva no mais profundo estado de resistência contra o chamado fantasma da modernidade que a tudo soterra e destrói. No entanto, a visão mais forte dos penitentes é, sem sombras de dúvidas, a sessão de penitência em que alguns fazendo uso de peças cortantes sugestivamente nominadas de “Disciplinas” cortam-se compulsivamente num ritmo frenético sob o cantar de antigos benditos quase incompreensíveis no seu frasear idiomático.
Trata-se de homens simples, mas fortes na crença de que é preciso aplacar os pecados do mundo para que a humanidade possa chegar um dia até Deus. Aurora já foi em outros tempos, um dos municípios do Nordeste com maior números de grupos. Era quase uma para cada sítio da zona rural. Hoje, no entanto, apenas dois ou três ainda permanecem em ação, sobrevivendo e resistindo a duras penas a toda sorte de perseguição, preconceito e desânimos dos que, movidos pelos acenos da modernidade, do luxo e do dinheiros os tratam no mais das vezes, tão somente, como fanáticos. Olhá-los em seus “alertai”, cânticos e rituais para mim, soa com um verdadeiro mergulho na história. Quando menino, confesso, eu assim como tantos outros daquela época tínhamos medo. Agora no entanto, com os meus olhos postos na história e na preocupação do futuro das nossas tradições temo que este movimento desapareça para sempre do nosso meio. Eis algumas das razões porque os admiro. Eles fazem parte da minha memória afetiva...

OS PENITENTES e suas crenças:
Pertencentes à Ordem da Santa Cruz fundada em meados do século XII na Europa por São Francisco(o santo da natureza), os representantes da chamada ‘igreja rural’ primitiva de Aurora é desde muito conhecido popularmente pela expressão quase mitológica de “penitentes”. Trata-se de diversos grupos de homens na sua maioria residentes na zona rural integrantes de uma irmandade de crentes que, a um só tempo, procuram encarnar nas mentes, corpo e alma uma visão do sagrado e do espiritual como uma autêntica ponte de cunho espiritual que (n)os mantêm ligados aos céus.
Há alguns Grupos de penitentes que ainda(vez por outra) praticam a autoflagelação como maneira de 'aplacar a ira de Deus', obter o perdão pelos imensos pecados do mundo e assim chegar ao paraíso. Mas esta é uma opção pessoal de cada um dos seus membros...
Enquanto outros grupos de penitentes viviam isolados no meio rural, agora os de Aurora assim como de Barbalha optaram por também realizar seus rituais em contato relativo com as cidades, nos subúrbios onde se (re)formavam e realizam seus ritos. Contudo, no meio rural a tradição ainda é mais forte...
No passado a tal Ordem se compunha de vários grupos de penitentes, geralmente sob a orientação de famosos decuriões de Aurora, chefes responsáveis pela direção de cada grupo e profundamente respeitados pela sociedade de então.
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Prof. José Cícero
Secretário de Cultura de Aurora-CE.

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Fotos: José Cícero

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