Wednesday, September 22, 2010

Literatura Aurorense...

Por José Cícero
Triste féretro de um sertanejo

Sob o sol a pino e escaldante de um dia triste,
numa longa estrada empoeirada de um mundo cinzento e sem graça dos sertões.
Um pequeno grupo de homens esqueléticos e mal vestidos em seus trapos,
seguem, caminhando em seus passos lentos.
Quase sem rumo como quem caminha em direção do nada absoluto: seu destino.
Carregando um peso-morto de mais um amigo, irmão de desventura, sofrimento e caminhada dentro das quebradas de um sertão adusto e malvado.
E os caminhantes decididos mais pareciam espectros encenando uma ópera-bufa
De um teatro nauseabundo no palco funesto da vida pela metade.
O grupo de sertanejos tristes sobe e desce a perder de vista as curvas do caminho.
Areia quente queimando seus pés, fazendo um riscado no chão adornado por ambos os lados pela mata seca e as cactáceas cheias de espinhos a furar a alma dos viventes.
Carregam eles numa rede, o magro cadáver de mais um sertanejo vencido e devorado pela peste e pela fome.
E nesta caminhada lânguida o grupo se reversa na condução daquele corpo frio, esticado numa rede imunda na direção do campo santo situado a léguas tiranas.
Além daqueles homens tristes, não mais que oito mais três cachorros os seguem pari passu.
Um deles, o cão mais magro pertencia ao infausto que vai na rede.
E o cão magrelo parece chorar por dentro mais do que os homens com seus os olhos remelentos fitando o tempo todo, seu ex-dono que agora é carregado esquisitamente naquela rede suja de molambo que também irá pro fundo da terra.
Naquela cena quase macabra, morto e vivos agora se misturam num mesmo plano.
Todos resistem como podem a sua sina de tormentos e de angústias como condenados da sorte.
Todos vão ao encontro do desconhecido. Quem sabe buscando seu destino cruel.
São todos vítimas de uma tragédia chamada sertão.
Esquecidos da lei a protagonizar o mais infeliz dos dramas humanos.
Tão grande a que o próprio céu virara as costas para eles negando-lhes sequer uma gota d’água.
Mas eles resistem como um novo Prometeu das caatingas, decididos a sucumbir calado com quem faz do seu silêncio um ato heróico de protesto.
Seca maldita. Bruxa impiedosa. Madrasta odienta a cultivar a morte na secura das matas esbranquiçadas dos rincões do Nordeste. Besta fera impiedosa devoradora de homens e bichos.
Seca desgraçada que come, destrói e vomita as esperanças de uma gente destemida dos grotões do mundo.
Mas o grupo de homens sertanejos no seu féretro negro carrega em silêncio com seus passos lentos o defunto em direção ao cemitério assaz distante.
Apenas mais um herói daquele inferno de Dante vencido pela sede e pela fome que nunca adentrar as estatísticas do litoral.
Simplesmente porque para os potentados e os poderosos da política ele não existe nem quando vivo quanto mais depois de morto.
Do alto do morro agora é possível vislumbrar ao longe o cemitério de pau a pique. Poucas cruzes de cedros. Algumas de angico, marmeleiros finos, Jurema braba e juazeiro espinhento cruzado uns sobre os outros amarrados com cipó. Símbolos solitários fincados ali pelos penitentes da Ordem Santa Cruz.
Uma oração agora começa a ser cantada pelos caminhantes.
Os passos se apressam o campo santo começar a se aproximar do grupo.
O sol agora como por capricho está sobre seus crânios ao nível do zênite.
A sede aumenta. O homem da cabaça oferece aos carregantes do defunto um gole d’água antes que adentrem o quadrilátero da necrópoles.
Céleres fazem o sinal da cruz, tirando os chapéus em sinal de respeito pelos mortos. Pisam agora o chão do cemitério. Rezam em uníssono uma oração, uma antiga prece ao santíssimo.
A cova é rasa feita a pouco por outros dois que chegaram primeiro.
Talvez na esperança de que aquele cadáver magro do amigo possa quem sabe se transforma de vez numa semente salvadora. Germinando com as primeiras chuvas uma nova vida. Desta feita trazendo da terra bonança, fartura e felicidade para os que ainda teimosamente resistem a saga de viver em meios as agruras dos sertões dos esquecidos e abandonados nos confins do mundo.
E, finalmente o corpo do sertanejo vencido junto com a sua rede suja desce ao fundo da terra.
Em seguida todos se voltam para a estrada num silêncio ainda mais profundo. E o silêncio de todos agora é um grito ecoando forte no coração dos que ainda têm um pouco de sentimento. O cachorro magro do defunto resiste em seguir os outros de volta as suas casas. Alguém insiste o chamando pelo nome: - Vamos embora Corrente!
Corrente, o cão magricela fica para trás. Prefere morrer sobre a cova rasa do seu dono. Do que distante dele...
Além do cão pulguento, o defunto deixara no mundo: uma mulher na flor da idade, dois meninos e um jumento magro assim como todos.
Os seus não o seguiram no último percurso. Aconselhados que foram devidos a distância. Da família mesmo, apenas um primo e o cachorro magro acompanharam o seu cadáver até o cemitério.
Silêncio, tristeza e choro tomaram conta do pobre casebre do homem sertanejo recém falecido. E a vida tomara enfim, seu rumo monótono, enfadonho, corriqueiro, cheio de sofrer e de perigos.
(*) José Cícero

In Fractais Imensos(inédito 2010) - Imagens Ilistrativas: 1 - www.singrandohorizontes.wordpress.com
2- Portinari(1958).

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