Saturday, December 5, 2009

Memória: Não tem mais AURORA, o café de Miriam


À memória de D.Terezinha de Américo
Um breve resgate literário sobre a memória afetiva e histórica dos Cafés antigos e casarios da cidade de Aurora na região Sul do Cariri cearense.
Artigo publicado originalmente no CMI Brasil
Por José Cícero em 16/04/2008*
Nos últimos anos constatamos com um misto de tristeza e revolta a maneira avassaladora com que a cidade de Aurora vem perdendo gradativamente parte importante do seu visual antigo. São prédios comerciais e residências que mesmo construídos de maneira simples, conservavam nos seus frontispícios as marcas e os padrões quase indeléveis de uma época distante ressabiada, dispersa nas brumas de uma lembrança quase sem idade. Coisas que de algum modo especial marcaram profundamente a memória histórica e afetiva de gerações inteiras.
Rapidamente, o passado arquitetônico da cidade está desaparecendo sem deixar vestígio. Substituído que está sendo por modernas construções sob os impulsos de uma especulação imobiliária, cuja razão de ser está no lucro e não na preservação de qualquer reminiscência do seu passado. A cidade desse modo, vai se desfazendo daquilo que poderíamos denominar de patrimônio histórico material e (até) imaterial, posto que muitos destes espaços foram cenários para boa parte do cotidiano social e político deste torrão. Cafés, bodegas, o velho mercado das bugigangas (feira-livre), bancas de açougues, barbearias, casas de tecido, farmácias, garapeiras entre outros estabelecimentos que marcaram profundamente a vida sócio-mercantil não somente de Aurora como também de todo o interior caririense.
Há quem afirme, aliás, que este é um caminho sem volta, pelo qual nenhum município poderá dá-se ao luxo de abdicar deste processo inexorável de transformação urbanística, cultural, social e econômico, sob pena de parar no tempo e no espaço. Ou quem sabe, de perder o próprio bonde da história. Como certeza, Aurora há muito já se desfez daquilo que constituiu durante muito tempo o seu invólucro essencial que a diferenciava perante as demais da ribeira salgadiana: a sua identidade.
A desfiguração da velha urbe é um fato que nos salta os olhos. E para os que estão distantes muito mais que isso... O que estão fazendo é uma crueldade! Um atentado dos mais aviltantes contra as nossas mais agradáveis recordações dos tempos idos. O processo por isso mesmo, além de célere é deveras exponencial. Mas como dizem, o progresso não pode esperar.
O centro comercial de Aurora agora mais parece uma escada, literalmente edificada na direção do sol como uma tentativa desesperada de se alcançar os céus. Ao ponto de nos remeter as narrativas da própria Babel dos tempos bíblicos. Pouca coisa do passado comercial de Aurora ainda permanece de pé. E esta substituição desenfreada não se restringe apenas ao centro, ela também se estende a outros logradouros como o quadro da matriz, ruas, becos e avenidas.
A força da grana que destrói e constrói coisas belas como disse o poeta, agora declarou guerra a qualquer resquício do nosso passado. Eis aí o que poderíamos muito bem classificar como o fantasma devorador daquilo que os homens têm de mais sagrado: a sua história.
Para destoar um pouco, tivemos a felicidade de anunciar a compra pela prefeitura do antigo casarão do Cel. Xavier; a mais remota construção da região de 1831 que há muito vinha correndo risco de ruir ou prestes a ser negociado para a especulação. Uma decisão das mais louváveis do prefeito Adailton Macedo. Cumpre destacar ainda que, a duras penas, malgrado o abandono, patrimônios como o da Estação Ferroviária e a Casa do Agente (1920) também se encontravamm em situação deplorável de conservação agora vêm sendo recuperados e revitalizados pela Seculte-Aurora por aquiescência da gestão municipal. A antiga residência do agente, inclusive, já pertence ao município vez que fora comprada pela gestão municipal para abrigar a sede da Secretaria de Cultura. Ambos dentre em breve passarão pelo processo de tombamento oficial.
A Revista Aurora na sua 2ª edição ainda em 2008 denunciou em reportagem especial de capa todo o estado de abandono em que estas construções antigas estão submetidas, no entanto, aó agora é que começram as primeiras providência. É lamentável, o tratamento que se tem dado a preservação da nossa memória.
Antigo Café fecha definitivamente suas portas:
Tivemos o fechamento do conhecido "Café de Miriam", antes localizado por várias décadas no coração da cidade. Era o último remanescente de uma época romântica em que os cafés ocupavam uma posição de destaque na vida social e política de todas as cidadelas do nosso interior. E em Aurora não foi diferente. Era por assim dizer, a caixa de ressonância de quase toda a efervescência de uma sociedade provinciana.
Tudo o que ocorria na capital e até na região, chegava primeiro nas disputadas mesas dos cafés interioranos; verdadeiras agências de notícias do nosso passado. O café de dona Miriam Ribeiro era o centro gravitacional da cidade. Lugar obrigatório para políticos, apaniguados, bajuladores, potentados e até mesmo figuras populares de uma época que não volta mais. Coisas que as gerações do presente nunca haverão de conhecer e a posteridade muito menos ainda. Portanto, mesmo sem o glamour de outrora, diríamos, que o café de Miriam, estrategicamente sediado no coração comercial de Aurora, era um símbolo deste passado que por anos a fio resistiu bravamente o quanto pôde, as invenções de uma modernidade traiçoeira, sedutora e ilusória. Essa que tudo destroi, vomita e devora...
Tudo lá tinha cheiro de história. Desde o cardápio, ao café no bule. Da própria estética do ambiente aos móveis, bem como o atendimento digno da melhor hospitalidade sertaneja. O fechamento das suas portas é também uma página que se vira para sempre na história recente de Aurora. Tudo passa, porém os cafés aurorenses, assim como o de dona Miriam não passam jamais. Visto que nenhuma memória afetiva consegue morrer tão de repente. Porque a física nunca sobrepõe a força que tem as recordações verdadeiras. Ao passo que estas, têm o poder e a faculdade de viverem para sempre, naquilo que o poeta uma vez chamou de instante eterno. Agora onde um dia existiu o Café de Miriam, há dois cubículos comerciais um frigorífico e uma loja de variedades.
Para os saudosistas de plantão, a sensação que se tem agora ao contemplar o lugar é como se o antigo prédio tivesse evaporado do dia para a noite. Resta-nos apenas, uma saudade tocando fundo a alma daqueles que viveram e, principalmente, fizeram parte desta inesquecível histórica; guardada para sempre a partir de então nas incontáveis reminiscências da belle époque da Aurora romântica que nunca sai das nossas lembranças.
(*) Prof. José Cícero
Aurora-CE.

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